terça-feira, 9 de novembro de 2010

Análise do Desfile de Ronaldo Fraga sob os aspectos da Teoria Kantiana da Beleza



A COBRA QUE RI - UMA HISTÓRIA PARA GUIMARÃES ROSA


JUÍZO DO CONHECIMENTO

Ronaldo Frga se envolve no universo de Guimarães Rosa para desenvolver essa coleção e aproveita a data comemorativa do cinquentenário da publicação de Grande Sertão: Veredas. A ideia começou em um trabalho do estilista para a Secretaria de Cultura de Belo Horizonte, quando ele estudou o tema e acabou transformando-o no foco da sua coleção do verão 2007.

É necessário conhecer a obra de um dos mais importantes escritores brasileiros para apreender todos os aspectos que conectam a fonte inspiradora e o desfile, incluindo cenário, trilha sonora e as roupas criadas.
Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo maracada pela influência de falares populares e regionais. Outra característica muito marcante do escritor é o seu imaginário poético sempre misturado com a realidade. Dentro do livro Grande Sertão: Veredas estão questionamnetos entre o bem e o mal, Deus e o diabo, céu e inferno, o relato da travessia da vida de um sertanejo.


A coleção fala do sertão, que embora seja um universo seco, cheio de armadilhas, é também cheio de cores, cheiros e texturas, tentando reproduzir a vivacidade do texto de João Guimarães Rosa.
Ronaldo trouxe o artista Rodrigo Câmara, que passou dezesseis horas com sua equipe montando a passarela, com serragens coloridas para formar o desenho de uma cobra enrolada num chão de bichos, flores, caveiras e estrelas.  


" O Sertão está em toda parte"



A trilha sonora também é um mergulho no sertão retratadao pelo autor, sendo necessário um entendimento prévio do tema escolhido por Ronaldo fraga. Trechos da obra de Guimarães Rosa são citados, inicialmente num tom mais imperativo, mais árido, mais desértico. Em determinado momento, os mesmo trechos continuam sendo citados, porém uma nova musicalidade é introduzida com a melodia da canção Disparada de Geraldo Vandré e Théo Barros, interpretada por Zé Ramalho e o desfile, gradualmente, vai ganhando a leveza lúdica do imaginário poético do escritor. Existe o momento, em que o conflito dos sentimentos do amor de Riobaldo, por alguém que ele acreditava ser um homem, Hermógenes, ganha um tom compassado. Traz à tona a guerra interior do sertanejo diante de uma situação considerada impossível, imprópria, obra do demônio, personificado na imagem de Hermógenes, codinome adotado por Diadorim. No momento final, com a citação de trechos que fazem alusão ao amor desses personagens principais e a descoberta da verdadeira sexualidade de Diadorim, essa delicadeza domina o tom do desfile. A transição é perceptível, também, pela mudança das cores, que passam dos tons terrosos e iluminados, para tons azulados e as aplicações nas roupas, que de bichos e cenários da caatinga, são substituídos por noites enluaradas e céus estrelados.






Grande Sertão: Veredas, o título do livro, transita entre o grade sertão, como um lugar semelhante a um deserto, de sacrifícios e penitências, mas que mostra as veredas, que é o oásis desse deserto, dando um descanso ao sofrimento. E essa transição é percebida no desfile de Ronaldo Fraga, sendo necessário conhecimento da obra, que tenha validade geral e universal, para que haja uma compreensão correta dessa experiência proposta pelo estilista.

JUÍZO DO GOSTO
  • JUÍZO DO AGRADÁVEL
A produção dos desfiles de Ronaldo fraga geralmente são espetáculos e nesse, especialmente, o estilista tentou aproximar a linguagem da moda com a linguagem de um dos livros e autores mais importantes do Brasil.
Toda atmosfera foi estampada em peças com uma silhueta ampla e solta. Ronaldo fraga motiva, através da moda, que se conheça a literatura.




Existe o julgamneto pessoal a respeito de a temática abordada ser agradável ou não, alcançar ou não o seu objetivo, de ser compreendida e assimilada.
Um desfile de moda pode ser visto como um instrumento de comunicação eficiente e democrático, dependendo da experiência do espectador diante daquele evento, ou pode ser "consumido" como um produto, que tem como única intenção o entretenimento e o evento de visibilidade social.
Esses julgamentos são resultados das sensações pessoais dos espectadores, sendo puramente subjetivas, porém, mesmo essa subjetividade  se baseia na necessidade de um consenso geral a respeito da beleza do espetáculo.
A escolha da inspiração, o livro Grande Sertão: Veredas, obra de um autor renomado da literatura brasileira, já confere uma concordância e validade para que a coleção, criada por Ronaldo Fraga, seja aceita e compreendida pelo público do desfile.


JUÍZO ESTÉTICO

Esse juízo se aproxima do juízo do agradável, pois a opinião a respeito da validade e fidelidade temática proposta no desfile de Ronaldo Fraga, dependem da sensação de prazer experimentada pelo espectador, porém, segundo a Teoria Kantiana da Beleza, ela não necessita de uma validade geral, sendo resultado de uma simples reação pessoal.
O espectador, individualmente, vai definir o desfile, analisando o desdobramento da inspiração na execução do evento.
Em resumo, não haverá a formação de um conceito, pois o que importa não é o desfile em si e suas características é a reação e o entendimento individual do observador/espectador.


PARADOXOS DA TEORIA DA BELEZA KANTIANA

  • PRIMEIRO PARADOXO KANTIANO SOBRE A BELEZA
Se o juízo estético independe de um consenso geral, então existe o questionamento dentro do tema abordado - Desfile da coleção do estilista Ronaldo Fraga. Quando o espetáculo é apresentado, existe a intenção de torná-lo belo e agradável para o público em geral.
É importante que o evento seja validado pelos espectadores, que o movimento de moda mobilize a criação de uma estrutura como São Paulo Fashion Week, por exemplo, onde os desfiles imediatamente entram na casa das pessoas, pela televisão, pelos jornais, pela internet e pelo interesse que o brasileiro, em geral, tem pela moda. Então a moda desperta a atenção e torna-se um movimento cultural e social de transformação.
Ronaldo Fraga acredita nessa concordância geral e evocou um tema que permeia a necessidade de conhecimento e a curiosidade do povo brasileiro, dos diversos "brasis" que existem, culturalmente, geograficamente, socialmente.
Esse é o primeiro paradoxo Kantiano, o juízo estético seria pessoal, porém é validado pelo consenso universal, "contaminado" pelo juízo do conhecimento.

  • SEGUNDO PARADOXO KANTIANO SOBRE A BELEZA
O segundo paradoxo é um desdobramento do paradoxo anterior e consiste em questionar, no desfile apresentado, os motivos que levam ao espectador a conciliar seu juízo estético ao consentimento universal.
Julgar o espetáculo apresentado pelo estilista, além de considerá-lo belo ou não, é conhecer o trabalho de Ronaldo Fraga e saber o lugar de destaque que ele ocupa no cenário da moda brasileira e até mesmo internacional. Avaliar o interesse e a criatividade da inspiração é saber que a obra Grande Sertão: Veredas é uma das mais importantes da literatura brasileira e seu autor, um dos maiores expoentes da literatura nacional.
Em resumo, o conceito de Beleza agrega a subjetividade da satisfação, do sentimento de prazer à objetividade do gosto e aprovação geral.

  • TERCEIRO PARADOXO KANTIANO SOBRE A BELEZA
O terceiro paradoxo pode ser analisado do ponto de vista de que o desfile de Ronaldo Fraga possa satisfazer um interesse físico, pois o prazer causado está relacionado à satisfação de poder fruir da capacidade criativa do estilista, para vestir uma peça de roupa que possua um conceito cultural significativo, além do trabalho artístico e o diferencial de qualidade que possui. É um prazer interessado, movido por desejos.
O ato de assistir ao desfile e dessa forma fazer parte desse espetáculo pode, também, estar relacionado a um prazer desinteressado, o prazer de poder contemplar uma manifestação artística e histórica.
Segundo Kant, o sentimento da Beleza não se relaciona a nenhum interesse, não está suscetível a desejos ou inclinações, é um prazer meramente contemplativo. Nesse momento, o terceiro paradoxo Kantiano a respeito da Beleza está exposto.

  • QUARTO PARADOXO KANTIANO SOBRE A BELEZA
O quarto paradoxo Kantiano refere-se ao conceito de fim e finalidade. O desfile inspirado na obra de Guimarães Rosa pode ter um fim, uma destinação útil, que seria apresentar a inspiração de um estilista através da criação de um espetáculo, onde as roupas "contam" uma história e é perceptível que o estilista tem uma ligação muito forte com conceitos e com a cultura brasileira. Segundo Kant, o fim é uma propriedade do objeto, no caso, do desfile em si, e não das sensações do espectador, portanto, não pode ser analisado como um julgamento estético, pois leva em conta interesses que estão além da subjetividade meramente contempaltiva.
Por outro lado, existe o conceito de finalidade, onde o interesse é extraído exclusivamente da sensação de prazer ou desprazer, que o espetáculo suscita no espectador, sendo uma experiência pessoal desinteressada.
De acordo com a Teoria Kantiana da Beleza existem as duas posições:
" O juízo estético não tem outro fundamento senão a forma da finalidade de um objeto" - Trazendo à tona, paradoxalmente, a importância do objeto, o desfile apresentado, e distanciando-se da ideia exclusiva de que a Beleza é uma mera contemplação desinteressada do espectador, posição que está presente nesta segunda afirmação de Kant - " A satisfação determinada pelo juízo de gosto é uma finalidade sem fim".
Esse é o quarto paradoxo Kantiano, onde a Beleza ora está na forma da finalidade do desfile, do espetáculo de moda, ora está estritamente relacionada ao gosto e ao prazer que o sujeito tem em apreciar e contemplar esse espetáculo.

TRÊS GRAUS DE FINALIDADE / GRATUIDADE PROPOSTOS POR KANT E A RELAÇÃO COM O DESFILE DE RONALDO FRAGA


  • OS OBJETOS SE RELACIONAM COM O SEU FIM E A SUA UTILIDADE

O desfile apresentado, segundo a teoria Kantiana da Beleza, pode ser considerado um ato contemplativo, sem estar necessariamente relacionado à sua utilidade. Por outro lado, o fato do espetáculo estar relacionado a um tema, uma inspiração, deturpa a capacidade do ato contemplativo puro, genuíno, pois o espectador está previamente "impregnado" pelos conceitos trabalhados no espetáculo. A aridez do sertão, a dureza da vida sertaneja, os animais da caatinga, a vegetação escassa, são conhecimentos prévios que o público carrega inconscientemente, mesmo que não haja uma compreensão ou vivência deste mundo retratado na obra Grande Sertão: Veredas. Dessa forma, a Beleza do desfile, o prazer ou desprazer despertados, estão no campo da chamada "Beleza Aderente", já que atrelam a sua observação aos conceitos que existem da ideia representada, da coleção executada e de todo o espetáculo criado para torná-la pública.


  • OS OBJETOS QUE REPRESENTAM COISAS (ARTE FIGURATIVA)
O desfile é exatamente uma forma de Arte Figurativa, pois mesmo com conceitos e interpretações, muitas vezes, particulares do estilista/criador, ou seja, que partem de uma leitura pessoal da inspiração, do tema abordado, existe um conceito prévio a respeito do que foi desenvolvido.
Ronaldo Fraga se baseou em pesquisas, aprodundamento e vivência da obra de Guimarães Rosa, para criar ou até mesmo recriar o universo sertanejo com todas as suas nuances.


  • OS OBJETOS QUE REPRESENTAM SIMPLES FORMAS (ARTE ABSTRATA)
O desfile de Ronaldo Fraga, apesar de estar "imerso" em todos os  detalhes e desdobramentos da obra , possui uma abstração, pois trata de temas ligados ao ato de sentir, como o amor, o medo, a coragem. Segundo a teoria Kantiana da Beleza, mesmo esses aspectos não são suficientes para torná-lo um ato contemplativo "puro", desinteressado.

Existem pensadores, como Nietzche, por exemplo, que discordam desse radicalismo quanto ao que é determinado arte "pura" ou "impura", pois a perda dessa "pureza", no caso do espetáculo analisado, pode ser compensada através da complexidade em representar os detalhes, e a soma de todos os aparatos artísticos, como cenário, trilha sonora, iluminação, escolha das formas formas e materias, que garantem um ato contempaltivo completo para o espectador, sendo possível causar sensações de prazer ou desprazer


CONCLUSÃO

Mesmo diante de paradoxos e divergêncais, é importante salientar a amplitude do pensamento Kantiano para o Campo da Estética. Talvez sem as elucidações trazidas à tona por Kant, seria impossível criar um espetáculo como um desfile de moda, que necessita da imaginação artística. Essa importância assinalada por Kant à imaginação facilita a criação e a fruição da Arte.
Analisando o desfile de Ronaldo Fraga, ou qualquer outro espetáculo de moda, chegamos aos componentes indispensáveis para a sua realização, imaginação, arte e criação.



Entrevista com Ronaldo Fraga







Referências Bibliográficas:
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. Rio de Janeiro: José Olimpyo, 2004.

LIMA, Luiz Costa. A “beleza livre” e a arte não-figurativa. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlm/alemao/pandaemoniumgermanicum/site/images/pdf/ed2004/A_beleza_livre_e_a.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2010.

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VIANNA, Bia. Guimarães Rosa é homenageado em desfile poético: Ronaldo Fraga leva Grande Sertão: Veredas para a passarela em um verão bem brasileiro. Disponível em: <http://www.revistaparadoxo.com/materia.php?ido=3508&PHPSESSID=3ee32ed539d306c98c3a3cbea8a96844>. Acesso em: 03 nov. 2010.

SANTOS, José Osvaldo Dos. O real dentro do imaginário do Rosa. Disponível em: <http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/revista-cultura-critica/36-edicao-no07/298-o-real-dentro-do-imaginario-do-rosa>. Acesso em: 04 nov. 2010.

JORGE WAKABARA. SPFW já: moda + literatura com Ronaldo Fraga. Disponível em: <Jorge Wakabara>. Acesso em: 04 nov. 2010.

CAROL GREGNANIN. São Paulo Fashion Week Verão 2007: Ronaldo Fraga mostra sertão de Guimarães Rosa. Disponível em: <http://moda.terra.com.br/spfw2007verao/interna/0,,OI1071757-EI6819,00.html>. Acesso em: 04 nov. 2010.

FREITAS, Carla. Um diálogo criativo entre moda e literatura. Disponível em: <http://imagensdaleitura.blogspot.com/2010/03/um-dialogo-criativo-entre-moda-e.html>. Acesso em: 04 nov. 2010.



                                                                                                                                                                      




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